sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A redescoberta da sexualidade na senescência humana - segunda Parte


(Foto: Ilustração)
Por Nilo Ribeiro Junior*
Graças aos últimos avanços, seja das ciências biológicas, da informática, seja das ciências humanas e da filosofia, temos sido surpreendidos pela redescoberta de algo fundamental a respeito da própria condição humana. Toda a experiência humana passa necessariamente pelo crivo do corpo e o corpo diz em profundidade quem é o ser humano na sua identidade feita de diversidade e pluralidade. Na corporeidade se inscreve a humanidade do ser humano na sua unicidade e integralidade aberta. Isso nos conduz também a ter de ressignificar o sentido do sexo (humano) Afinal, se o ser humano é eminentemente corporeidade, seria inconcebível tratá-lo como alguém que apenas “tem” sexo. Antes, o ser humano traz a marca da sexualidade em todos os poros de seu corpo e a narrativa de sua carnalidade condensa sua história sexuada, de modo que a sexualidade emerge como categoria de gênero genuinamente humanizante da condição do ser humano no mundo.

A partir desse horizonte da reabilitação do novo paradigma da corporeidade, compreende-se que envelhecer no corpo e no sexo significa a própria maneira de passar de uma experiência superficial, periférica, autocentrada e “infantil” da sexualidade para uma experiência densa, aberta, comunicativa, vinculante e, portanto, submetida à prova do tempo e do amadurecimento do sexo que, por sua vez, se configura na relação e na valorização do corpo como corpo-próprio, corpo-sujeito e como corpo vivido e não meramente como corpo-objeto. Essa experiência de envelhecimento no exercício da sexualidade se opõe a todo tipo de objetivação e banalização do sexo tanto a nível pessoal como no tratamento da alteridade do outro em seu sexo.

Nesse sentido, deixando de salientar os limites da cultura atual do corpo, interessa recordar que a categoria de corporeidade associada à de gênero nos termos supracitados permite reabilitar a significação da sexualidade na senescência. Ora, se a sexualidade humana não se reduz ao caráter objetal, empírico, biológico nem ao aspecto meramente genital do sexo, evidentemente que as pessoas das terceira idade podem e de fato tem redescoberto o valor da ternura, do cuidado de si e do outro assim como tem revalorizado o alcance do desejo como lugar das trocas afetivas na experiência sexual bem na contramão da hipervalorização da performance promovida pela cultura sexista atual.

À guisa da experiência sexual de gênero vale recordar que, livres dos condicionamentos biológicos da procriação e, especificamente, absolvido dos riscos da gravidez indesejada por conta da menopausa, a mulher senescente tem redescoberto uma dimensão fundamental do sexo na vida cotidiana, isto é, a dimensão do prazer do qual talvez ela tenha sido privada até pouco tempo por conta de uma visão cultural míope que acostumou as pessoas de sua geração a dissociar o sexo do amor,  o sexo do prazer e o sexo da subjetivação da identidade.

No caso específico do homem, o climatério masculino visto à luz da sexualidade de gênero, talvez lhe ofereça a possibilidade ímpar de superar aquela visão de virilidade entranhada no imaginário sexual tradicional que o compelia a assumir papéis sociais circunscritos à defesa de sua fama (moral) como macho “bom de cama”. Trata-se, portanto, de abrir-se às outras dimensões da sexualidade que lhe são oferecidas na terceira idade e que talvez tenham sido descartadas de sua vida (jovem ou adulta) tais como a carícia, o beijo, o abraço, a ternura, sem por isso sentir-se ameaçado em sua sexualidade pelas vozes que persistem em defender os padrões culturais machistas do homem feito a priori para o coito orgástico.

Enfim, à medida que a corporeidade da pessoa senescente vem associada à capacidade de passar do “gozo” (imediato) do sexo infante para o âmbito do “desejo” (mediado pela linguagem relacional do corpo) específico da sexualidade vivida como processo de intensa maturação do sentido do corpo como lugar da relação e como expressão do amadurecimento da própria humanidade a partir da assunção da condição senescente do sexo como dom e graça de si a outrem, certamente que se tece uma nova maneira de viver a sexualidade de gênero ao mesmo tempo em que se testemunha a crítica à visão do corpo e do sexo evasivos da cultura contemporânea. Em suma, é dado à pessoa senescente testemunhar, segundo a experiência da corporeidade e da sexualidade vividas como realização de sua humanidade no acolhimento do outro com quem se envelhece solidariamente, a capacidade de transcender a mera boa forma física do sexo e a possibilidade de recuperar a dimensão psíquico-espiritual, social e religiosa da sexualidade (de gênero) que a cultura atual do corpo, sub-repticiamente, ousa desprezar ou esquecer.

Confira também a Primeira Parte do artigo.
*O autor é Professor e pesquisador lotado no curso de filosofia e no mestrado em Ciências da religião da Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP. Escreve exclusivamente para Dom Total, todas as segundas e quartas-feiras.
Fonte: http://www.domtotal.com

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