sábado, 2 de julho de 2011

Refletir sobre os acontecimentos da vida a luz da presença de Deus



O ser humano é o único ser vivo capaz de pensar sobre a própria vida, de olhar para o passado, de planejar o presente e de pensar o futuro. Esta é uma característica fundamental que nos distingue dos outros animais. Todavia, o ser humano não é só constituído de razão, mas também de sentimentos. Estes lhes impulsionam a viver, a sentir e a dar sentido a vida. A reflexão é o que possibilita ao ser humano tomar distância dos acontecimentos e dos afetos que surgem em cada ação ou fenômeno que acontece em sua vida. A esta capacidade chamamos de transcendência, que consiste em ir além do imediato, de um único fenômeno e articulá-lo com todos os demais fatos da vida, agindo assim, reflexivamente, ou seja racionalmente, sem esquecer de colocar a dose certa de afetos na vida.
Não podemos viver a vida de qualquer forma e de qualquer jeito, vivendo por viver. Uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida, pois é uma vida vazia de significado e de sentido, que não nos permite desenvolver as nossas potencialidades, deixando-nos estáticos diante da dinamicidade da vida. Infelizmente, este é um mal que encontramos atualmente em nossa sociedade imediatista e que deixa em segundo plano o ato de refletir antes de tomar qualquer decisão. Sem o exercício da nossa capacidade de reflexão não encontramos o verdadeiro sentido da vida que transcende a cada fato histórico, ao que foi vivido e sentido.
Desde o momento que o ser humano é concebido, ele marcado pelas experiências que vai vivenciando. Uma mãe e um pai que sonha, pensa e planeja ao gerar um novo ser e que cuida com carinho desde a gestação, por meio de conversas e toques carinhosos na barriga da mãe, marcam profundamente a vida deste novo ser. Tudo o que vamos vivenciando depois que chegamos a este mundo nos influencia e contribui na formação da nossa personalidade, ou seja, do nosso jeito próprio de habitar e de nos relacionar conosco mesmo, com as outras pessoas, com o mundo, com natureza, com a história e com Deus. Podemos comparar a vida com uma rede de pesca. Cada fato da vida é uma das diversas linhas que formam a rede. A rede de pesca só é rede porque todas as linhas estão entrelaçadas, ou seja, unidas. Assim também é a nossa vida. Nossa existência é formada por todos os acontecimentos que nos marcam, positiva ou negativamente, nossas lutas, nossas conquistas, nossos fracassos e o desejo de viver intensamente cada momento da nossa vida.
Em nossa atual sociedade muitas coisas nos são oferecidas como sentido para a nossa vida, os meios de comunicação social estão mostrando e afirmando que o poder, o consumo, o culto ao corpo, o prazer e tudo o que as novas tecnologias nos oferecem são o que proporcionam ao ser humano a felicidade. Precisamos ir além dos rótulos que a sociedade nos impõe e desses bens que nos traz sim felicidade, mas uma felicidade passageira e limitada. Precisamos encontrar o verdadeiro sentido de nossas vidas em algo que transcende nossa realidade e nossa vida, em algo permanente e que preenche nosso ser plenamente. E este sentido pleno, vital e eterno só encontramos em Deus. Sentido este que está além do imediato e do contingente de nossa existência, do aqui e agora.
Em Maria, mãe de Jesus, encontramos alguém que descobriu o sentido pleno da sua vida e a partir desde sentido, que é Deus mesmo, relê toda a sua existência. Este fato nos proporciona olharmos de forma diferente os acontecimentos e encontrar neles a presença amorosa de Deus agindo em nossa vida.

Lucas, em seu Evangelho, mostra uma atitude bonita de Maria, pois ela guardava todos esses fatos que aconteciam em sua vida, e além do mais, meditava sobre eles em seu coração (Lc 2, 19). Esta atitude contemplativa e orante da vida cultivada por Maria é que fazia com que ela encontrasse em Deus o sentido para a sua existência. Assim como Maria devemos também cultivar em nosso dia a dia estas duas atitudes, a oração e a reflexão, pois só através delas conseguiremos reler os acontecimentos da nossa vida à luz da presença amorosa de Deus. A oração é assim um meio pelo qual cultivamos uma relação pessoal e íntima, amorosa e amigável com Deus que habita em nossa vida e na história da humanidade. Sendo assim, podemos disser que cada coração do ser humano é um livro sagrado em que se registra a ação viva de Deus na vida de cada pessoa.
Na atitude de Maria encontramos o dálogo constante entre fé, razão e afeto. A fé alimenta uma vida refletida. A fé refletida e vivida com emoção nos fortalece em nossa caminhada e nos ajuda a vivermos segundo a vontade e o projeto de Deus. Com estas duas ferramentas, oração e reflexão, seremos capazes de amar e ser amados, de construir um mundo mais justo, solidário e cheio de sentido; de construirmos relações de amizade, de vivermos em grupo e em comunidade, pois juntos somos capazes de reler com propriedade cada momento da nossa vida com os olhos de Deus e encontrar em Jesus o sentido pleno da nossa existência e assim sermos mais felizes. 
Silas Silva, sj

Um comentário:

  1. Belas palavras, marujo.

    Li me sentindo no colo da minha mãe de novo.

    Abraço!

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