sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

A juventude e as espiritualidades

Autor: João Batista Libânio

Nos fenômenos sociais, os jovens refratam em si as cores diversas que os constituem.
A ambigüidade e a pluralidade do despertar religioso encontram neles expressão clara e inequívoca. "A volta do sagrado", "a vingança do sagrado", "o surto do sagrado", espiritualidade, mística e tantas outras expressões estão a traduzir um fenômeno real. Depois do eclipse secularizante das décadas passadas, a partir dos anos 80, a juventude acorda vestida de sagrado. Este início de milênio não desmente tal febre religiosa.

Nos fenômenos sociais, os jovens refratam em si as cores diversas que os constituem. A ambigüidade e a pluralidade do despertar religioso encontram neles expressão clara e inequívoca.


O surto de religiosidade exprime busca da Transcendência. O jovem sente o dilaceramento da dupla experiência do vazio de sentido da sociedade consumista e hedonista, de um lado, e, de outro, a necessidade absoluta do ser humano de horizonte amplo de sentido a ser encontrado em Deus. Quanto mais fundo a sociedade mergulha no oceano infindável do materialismo dos bens de consumo, tanto mais alto a juventude ergue o clamor pela Transcendência. Jovens lotam estádios para passar horas cantando e rezando. Peregrinam a Taizé ou a Compostela. Correm aos milhares a escutar a voz do venerando Pastor de Roma, tanto nos idos de João Paulo II, como também agora na figura menos fulgurante de Bento XVI. Sentam-se aos pé de gurus de sabedoria oriental à busca de uma palavra, de um sinal de que as aventuras sublunares, embora transitórias, desembocam num mar de definitividade para além da história.
Outros equivocam-se na busca do caminho. Sofrem da mesma sede. Padecem da mesma dor. Entretanto, enveredam-se por trilhas outras. Recorrem aos atalhos que permitem fazer experiências parecidas com as anteriores. Em vez de fruir da Transcendência na oração, na contemplação, no louvor, na palavra da sabedoria religiosa, refugiam-se na química das drogas, na excitação dos ruídos eletrônicos. As experiências atuais estão a proporcionar aos jovens alucinações, conjugando substâncias químicas com aparelhos eletrônicos, de modo que eles se iludem ao imaginar tocar as fímbrias do divino quando nada mais vivem que momentos artificiais febricitantes.

Grupo, certamente menor, de jovens ainda consegue articular a sede do Divino com o compromisso social. Captaram em profundidade o núcleo do cristianismo. O Verbo divino se fez carne, se fez história, se fez compromisso com os seres humanos. Na carne da história e do compromisso se encontram com o Divino feito homem na pessoa de Jesus. Não se contentam com os oásis da experiência carismática da oração, nem buscam a ilusória compensação da droga. Nutrem-se, sim, da presença da Transcendência, mas sorvida, vivida, presencializada na luta pelo irmão, sobretudo pelo pobre e necessitado.

Esses jovens sobem as favelas, excursionam pelo interior pobre do país, aproximam-se do menino de rua, têm uma palavra de compreensão e de humanidade para a prostituta, encabeçam passeatas de protesto contra a corrupção das elites, enfrentam as polícias da repressão na defesa do direito ao trabalho, à moradia, à escola, ao salário justo e digno, à saúde. Levantam-se na defesa de duas grandes causas: a ética na política e a ecologia.

Enfim, ainda existe um jovem, remanescente da sociedade tradicional religiosa. Tende a diminuir. Assenta-se no solo da religião. Nela nasceu, nela vive e pratica-a com simplicidade, sem sofisticação, sem grandes dúvidas, sem arroubos. Tem sua beleza. A religião alimenta-lhe os gestos normais da vida.

Este arco-íris de espiritualidades mostra mais uma vez a riqueza experiencial do mundo jovem e seu caráter de sinal manifestador das ondas profundas que agitam todo o corpo social.

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