Um amigo comprou uma casa velha, de mais de
um século, conservada, como muitas que por aí existem. Muitas coisas a serem
consertadas. Tudo teria que ser pintado de novo. Antes de pintar com as cores
novas ele achou melhor raspar das paredes a cor velha, um azul sujo e
desbotado. Raspado o azul, debaixo dele surgiu uma cor rosa, mais velha ainda
que o azul. Raspou-a também. Aí apareceu o creme, e depois do creme o branco...
Cada morador havia coberto a cor anterior com uma cor nova. E assim ele foi
indo, pacientemente, camada após camada. Queria chegar à cor original, que
apareceria depois que todas as camadas de tintas fossem raspadas. Finalmente o
trabalho terminou. E o que encontrou foi surpresa inesperada que o encheu de
alegria. Mais bonito que qualquer tinta: madeira linda, o maravilhoso pinho de
riga, com nervura formando sinuosas linhas que entrelaçam, de cor castanha,
contra um fundo marfim.
Somos esta casa. Ao nascer, somos pinho de
Riga puro. Mas logo começaram as demãos de tintas. Cada um pinta sobre nós a
cor de sua preferência. Todos são pintores: pais, avós, professores, padres,
pastores. Até que o nosso corpo desaparece. Claro, não é com tinta e pincel, é
a fala. A tinta são as palavras. Falam as palavras grudam no corpo, entram na
carne. Ao final o nosso corpo está coberto de tatuagens da cabeça aos pés. Quem
somos?
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